Um estudo publicado no European Journal of Pharmaceutical Sciences pela Universidade de Ljubljana demonstrou que a cromatografia gasosa inversa (IGC) pode revolucionar a caracterização de polímeros farmacêuticos, permitindo prever mecanismos de liberação controlada através da análise de propriedades superficiais. Esta pesquisa estabeleceu correlações diretas entre energia livre de superfície de éteres de celulose e suas performances em sistemas matriciais de liberação.
O mercado farmacêutico global foi avaliado em USD 1,646 bilhões em 2024 e está projetado para atingir USD 2,350 bilhões até 2030, crescendo a uma taxa anual composta de 6,12%, segundo relatório da Grand View Research. O desenvolvimento de sistemas de liberação controlada representa área estratégica neste setor em expansão, onde a caracterização inadequada de excipientes poliméricos constitui gargalo significativo no desenvolvimento de formulações. Estudos de dissolução tradicionais demandam períodos extensos para caracterização completa de polímeros, impactando diretamente cronogramas de desenvolvimento e competitividade no mercado.
Os resultados revelaram que propriedades superficiais medidas em 24 horas podem prever com precisão os mecanismos de liberação que tradicionalmente requerem meses de estudos experimentais.
Os principais tópicos abordados neste artigo incluem:
- Fundamentos da cromatografia gasosa inversa aplicada a polímeros farmacêuticos
- Contexto e objetivos do estudo da Universidade de Ljubljana
- Metodologia experimental e equipamentos utilizados na pesquisa
- Resultados das correlações entre propriedades superficiais e liberação
- Caracterização de HEC, HPMC e HPC por análise termodinâmica
- Impactos práticos na seleção de excipientes para formulações matriciais
- Perspectivas de implementação industrial e benefícios econômicos
O que é Cromatografia Gasosa Inversa
A cromatografia gasosa inversa (IGC) é uma técnica analítica onde o material de interesse torna-se a fase estacionária, enquanto sondas de propriedades conhecidas atuam como fase móvel. Diferentemente da cromatografia convencional, o objetivo é caracterizar o material fixo (polímero) através de suas interações com vapores orgânicos.
A técnica baseia-se na medição de tempos de retenção de diferentes sondas, permitindo calcular propriedades termodinâmicas fundamentais como energia livre de superfície, componentes dispersivos e específicos, e parâmetros ácido-base. Sondas apolares (alcanos) determinam interações dispersivas, enquanto sondas polares revelam capacidades de doação e aceitação de elétrons.
Para polímeros farmacêuticos, IGC oferece informações cruciais sobre hidrofobicidade, polaridade e capacidade de interação com água - propriedades que governam comportamentos de hidratação, swelling e liberação controlada em sistemas matriciais.
Contexto e Objetivos do Estudo
O estudo conduzido pela equipe de Baumgartner e colaboradores na Universidade de Ljubljana foi motivado pela necessidade de métodos preditivos para caracterização de polímeros celulósicos utilizados em sistemas de liberação controlada. O desenvolvimento tradicional de formulações matriciais depende extensivamente de estudos empíricos de dissolução, resultando em processos demorados e custosos.
O objetivo principal foi estabelecer correlações quantitativas entre propriedades superficiais de éteres de celulose determinadas por IGC e mecanismos de liberação de fármacos hidrossolúveis. Especificamente, os pesquisadores visaram:
- Caracterizar três polímeros celulósicos (HEC, HPMC, HPC) através de análise termodinâmica por IGC
- Avaliar comportamentos de sorção de água e swelling em sistemas matriciais
- Determinar perfis de liberação de pentoxifilina e vancomicina hidroclórida
- Estabelecer correlações entre propriedades superficiais e constantes cinéticas de liberação
Metodologia Experimental e Equipamentos
A metodologia experimental empregou cromatografia gasosa inversa utilizando cromatógrafo HP 5890A Series II equipado com detector de ionização de chama (FID) e software ChemStation. O protocolo incluiu preparação de colunas de vidro (200mm x 3,0mm) preenchidas com misturas polímero-Chromosorb W (1:1).
Equipamento de Cromatografia Gasosa Inversa

Materiais estudados:
- HEC (Natrosol 250-HHX): Mw ~1.200.000, substituição molar ~2,5
- HPC (Klucel 99-HXF): Mw ~1.150.000, substituição molar ~3,7
- HPMC (Methocel K4M): Mw ~95.000, grupos metoxil 22,9%
As análises por IGC foram realizadas a quatro temperaturas (30-60°C) utilizando sondas apolares (hexano a decano) e polares (tetrahidrofurano, acetona, triclorometano, acetato de etila). Complementarmente, foram realizados estudos de sorção dinâmica de vapor (DVS), testes de swelling e ensaios de dissolução USP.
Comprimidos matriciais foram preparados com 75% polímero e 25% fármaco (pentoxifilina ou vancomicina), comprimidos com dureza 100±10N para avaliação de liberação controlada.
Resultados Principais do Estudo
Os resultados demonstraram diferenças significativas nas propriedades polares dos polímeros , estabelecendo ordem de polaridade HEC > HPMC > HPC. O componente específico da entalpia de adsorção variou drasticamente: HEC (-49±4 kJ/mol), HPMC (-30±2 kJ/mol) e HPC (-15±2 kJ/mol) para acetona.

Figura 1 - Mudança na massa de polímeros volumosos HEC, HPMC e HPC em equilíbrio sob diferentes atmosferas de umidade relativa utilizando o método DVS (s: sorção; d: dessorção).
A capacidade de sorção de água correlacionou-se perfeitamente com a polaridade superficial determinada por IGC. HEC apresentou maior higroscopicidade, seguido por HPMC e HPC, confirmando as predições baseadas em propriedades superficiais.

Figura 2 - Grau de inchamento de comprimidos matriciais de éter de celulose dependendo do tempo. Cada ponto é a média de seis determinações.
Os parâmetros ácido-base revelaram HEC como polímero com maior capacidade doadora (Kd = 1,658) e aceptora de elétrons (Ka = 0,474), explicando sua superior capacidade de interação com água e consequente facilidade de relaxamento polimérico.

Figura 3 - Perfis de liberação de pentoxifilina (P) e vancomicina hidroclórida (V) de comprimidos baseados em diferentes polímeros éter de celulose. Desvio padrão < 2%.
A análise cinética revelou mecanismos de liberação distintos: HPC apresentou liberação predominantemente Fickiana (difusional), enquanto HEC mostrou contribuição significativa do relaxamento polimérico. HPMC exibiu comportamento intermediário.
Figura 4 - Fração de liberação Fickiana F (Eq. (10)) como função de pentoxifilina (P) e vancomicina (V) liberadas de diferentes comprimidos de éter de celulose. Desvio padrão < 2%.
Figura 5 - Razão entre contribuições relaxacional (R) e difusional (F) para liberação de pentoxifilina (P) e vancomicina (V) de diferentes comprimidos de éter de celulose. Desvio padrão < 2%.
A correlação mais significativa foi estabelecida entre parâmetros ácido-base (Ka + Kd) e constantes relaxacionais (k2), demonstrando que propriedades superficiais predizem quantitativamente mecanismos de liberação.

Figura 6 - Correlações entre a soma dos números ácido (Ka) e base (Kd) de polímeros éter de celulose e as constantes cinéticas relaxacionais k2 para liberação de pentoxifilina e vancomicina desses comprimidos poliméricos.
Impacto no Mercado Farmacêutico
Os resultados deste estudo representam avanço significativo para a indústria farmacêutica , oferecendo metodologia científica para seleção racional de excipientes poliméricos. A capacidade de prever mecanismos de liberação através de propriedades superficiais elimina necessidade de estudos exploratórios extensivos.
Benefícios econômicos estimados:
- Redução de 30-50% no tempo de desenvolvimento de formulações matriciais
- Economia substancial em estudos de dissolução exploratórios
- Aceleração de programas de desenvolvimento de genéricos complexos
- Otimização de custos através de seleção mais precisa de grades poliméricos
Para fabricantes de excipientes, a técnica oferece diferenciação competitiva através de caracterização avançada de produtos. Empresas farmacêuticas podem implementar IGC para screening rápido de fornecedores e validação de equivalência entre lotes.
A implementação industrial de IGC pode revolucionar práticas de desenvolvimento farmacêutico, estabelecendo novo padrão para caracterização de excipientes poliméricos.
Perspectivas e Aplicações Futuras
O estudo abre caminho para extensão da cromatografia gasosa inversa para outras classes de polímeros farmacêuticos, incluindo co-polímeros, sistemas de coating entérico e excipientes funcionalizados. A padronização de protocolos IGC pode estabelecer a técnica como método farmacopeico oficial.
Desenvolvimentos futuros incluem integração com modelagem computacional e machine learning para otimização automatizada de formulações. A combinação de dados IGC com simulações moleculares promete design racional de novos excipientes com propriedades sob medida.
Limitações identificadas incluem necessidade de correlação com condições fisiológicas e validação para sistemas com mecanismos complexos envolvendo ionização ou degradação. Pesquisas futuras devem focar em extensão da metodologia para diferentes classes terapêuticas.
Perguntas Frequentes sobre o Estudo
Qual foi o objetivo principal do estudo da Universidade de Ljubljana?
O objetivo foi estabelecer correlações quantitativas entre propriedades superficiais de éteres de celulose determinadas por cromatografia gasosa inversa e mecanismos de liberação de fármacos hidrossolúveis em sistemas matriciais.
Quais polímeros foram estudados e suas principais diferenças?
Foram estudados HEC, HPMC e HPC. HEC mostrou maior polaridade superficial (-49±4 kJ/mol), seguido por HPMC (-30±2 kJ/mol) e HPC (-15±2 kJ/mol), correlacionando-se com diferentes capacidades de hidratação e mecanismos de liberação.
Como os pesquisadores mediram as propriedades superficiais dos polímeros?
Utilizaram cromatografia gasosa inversa com cromatógrafo HP 5890A, analisando interações de sondas apolares (alcanos) e polares (THF, acetona, triclorometano) com os polímeros a temperaturas de 30-60°C.
Qual a principal descoberta sobre mecanismos de liberação?
Descobriram que HPC apresenta liberação predominantemente difusional, HEC tem contribuição significativa do relaxamento polimérico, e HPMC comportamento intermediário, correlacionando-se diretamente com suas propriedades superficiais.
Quais fármacos foram testados e por quê?
Pentoxifilina (molécula menor, 278 Da) e vancomicina hidroclórida (molécula maior, 1486 Da) foram escolhidos como modelos de fármacos hidrossolúveis para avaliar influência do tamanho molecular nos mecanismos de liberação.
Como os resultados podem impactar o desenvolvimento farmacêutico?
Permitem seleção racional de polímeros baseada em mecanismos de liberação desejados, reduzindo tempo de desenvolvimento de meses para 24 horas de análise IGC, com economia substancial em estudos exploratórios.
Quais são as limitações da metodologia proposta?
As principais limitações incluem medições em condições anidras (necessitando correlação com meio aquoso), aplicabilidade restrita a sistemas hidrofílicos e necessidade de validação para diferentes classes terapêuticas.
Esta técnica pode substituir estudos de dissolução tradicionais?
Não substitui completamente, mas oferece dados preditivos para otimizar seleção inicial de excipientes, reduzindo significativamente o número de formulações a serem testadas experimentalmente.
Leituras Relacionadas
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