Capa do Artigo USP <787>, USP <788> e USP <789>: Guia Técnico para Análise de Partículas Subvisíveis em Produtos Farmacêuticos

USP <787>, USP <788> e USP <789>: Guia Técnico para Análise de Partículas Subvisíveis em Produtos Farmacêuticos

Entenda os requisitos USP <787>, <788> e <789> para partículas subvisíveis em injetáveis e oftálmicos. Garanta segurança do paciente e conformidade regulatória com as análises corretas.

Por: Dafratec | Em 15/12/2025 | Artigo
Compartilhar:

Os capítulos USP <787>, USP <788> e USP <789> da United States Pharmacopeia estabelecem os requisitos e métodos analíticos para determinação de matéria particulada subvisível em produtos farmacêuticos injetáveis e soluções oftálmicas. Estes capítulos são fundamentais para garantir a segurança do paciente, uma vez que partículas entre 2 e 100 µm podem causar desde oclusão capilar até reações imunológicas adversas.

Atualização regulatória: Uma revisão do USP <788> foi aprovada pelo Pharmacopeial Discussion Group (PDG) e entrará em vigor em 1º de agosto de 2026. O capítulo passará a se chamar "Subvisible Particulate Matter in Injections" e incluirá ajustes na definição de matéria particulada, orientações sobre preparo de amostras e permissão para teste de unidades individuais. Detalhes disponíveis na página de harmonização da USP.

O mercado de biológicos e terapias proteicas intensificou a importância desses testes. Segundo publicação da West Pharmaceutical Services, a agregação proteica representa um desafio crescente para a indústria, exigindo métodos analíticos cada vez mais sofisticados para caracterização de partículas inerentes ao produto.

Visão Geral dos Capítulos USP para Partículas Subvisíveis

Antes de aprofundar cada capítulo, é importante compreender como eles se relacionam e em quais situações cada um se aplica. Os três capítulos compartilham metodologias analíticas similares, porém diferem em escopo de aplicação e critérios de aceitação.

  • USP <788> — Capítulo base, aplicável a todos os produtos parenterais
  • USP <787> — Alternativa específica para injeções de proteínas terapêuticas
  • USP <789> — Específico para soluções oftálmicas intraoculares, com limites mais rigorosos
  • USP <1787> e USP <1788> — Capítulos informativos complementares com recomendações adicionais

Os capítulos USP <788> e <787> são harmonizados com o capítulo 2.9.19 da Farmacopeia Europeia e o capítulo 6.07 da Farmacopeia Japonesa, estabelecendo requisitos globalmente reconhecidos.

USP <788>: Matéria Particulada em Injeções

O capítulo USP <788> é o documento base para determinação de partículas subvisíveis em produtos parenterais. Aplica-se a soluções para injeção intramuscular, subcutânea e intravenosa, tanto em pequenos volumes (SVP — Small Volume Parenterals) quanto em grandes volumes (LVP — Large Volume Parenterals).

Exclusões do capítulo: Radiofármacos estão isentos dos requisitos. Produtos parenterais cujo rótulo especifica uso de filtro final antes da administração também podem ser isentos, desde que haja dados científicos justificando. A exigência para produtos veterinários foi indefinidamente adiada.

A USP define matéria particulada como partículas móveis não dissolvidas, exceto bolhas de gás, presentes não intencionalmente nas soluções. Essas partículas podem ter origem intrínseca, extrínseca ou inerente ao produto.

Métodos Analíticos do USP <788>

O capítulo descreve dois procedimentos aceitos para análise:

Método 1 — Teste de Contagem de Partículas por Obscurecimento de Luz (Light Obscuration)

Este é o método preferencial para a maioria das aplicações. Baseia-se no princípio de que partículas passando através de um feixe de laser bloqueiam uma quantidade proporcional de luz, permitindo determinação automática de tamanho e contagem. O procedimento requer volume mínimo de amostra de 25 mL e três alíquotas de pelo menos 5 mL cada. O primeiro resultado é descartado para eliminar interferências do sistema.

Método 2 — Teste de Contagem Microscópica de Partículas

Utilizado quando o Método 1 não é aplicável — por exemplo, em produtos com viscosidade elevada, opacidade ou presença de emulsões. A amostra é filtrada através de membrana e as partículas retidas são contadas manualmente sob microscópio com iluminação episcópica, utilizando retículo calibrado conforme especificações USP.

Critérios de Aceitação do USP <788>

Os limites variam conforme o volume do produto e o método utilizado:

Parenterais de Pequeno Volume (SVP ≤ 100 mL) — Método 1 (Light Obscuration):

  • ≤ 6.000 partículas ≥ 10 µm por recipiente
  • ≤ 600 partículas ≥ 25 µm por recipiente

Parenterais de Pequeno Volume (SVP ≤ 100 mL) — Método 2 (Microscópico):

  • ≤ 3.000 partículas ≥ 10 µm por recipiente
  • ≤ 300 partículas ≥ 25 µm por recipiente

Parenterais de Grande Volume (LVP > 100 mL) — Método 1:

  • ≤ 25 partículas ≥ 10 µm por mL
  • ≤ 3 partículas ≥ 25 µm por mL

Se uma amostra falhar pelo Método 1, pode ser testada pelo Método 2 para confirmar conformidade. Entretanto, uma amostra que passa pelo Método 2 não pode ser usada para aprovar um lote que falhou previamente pelo Método 1.

Preparo de Amostras para USP <788>

O preparo adequado é crítico para resultados confiáveis. O procedimento padrão inclui:

  • Homogeneizar o conteúdo invertendo lentamente o recipiente 20 vezes
  • Limpar as superfícies externas da abertura com jato de água livre de partículas
  • Eliminar bolhas de gás por medidas apropriadas antes da análise
  • Para SVP com volume inferior a 25 mL, combinar o conteúdo de 10 ou mais unidades

O número de unidades a testar deve ser baseado em plano de amostragem estatisticamente válido, considerando volume do produto, histórico de contagem de partículas, distribuição de tamanhos e variabilidade entre unidades.

USP <787>: Matéria Particulada Subvisível em Injeções de Proteínas Terapêuticas

O capítulo USP <787> foi desenvolvido como alternativa ao USP <788> especificamente para proteínas terapêuticas e preparações relacionadas. A principal diferença está no volume de amostra permitido e nas instruções de manuseio que consideram as particularidades desses materiais.

Diferenças Fundamentais do USP <787>

As proteínas terapêuticas apresentam desafios únicos para análise de partículas. Agregados proteicos são inerentes a esses produtos e podem ser confundidos com contaminantes. O capítulo USP <787> aborda essas questões permitindo:

  • Volumes de amostra menores — entre 1 e 25 mL, essencial para produtos de alto valor com dosagens pequenas
  • Apenas o Método de Light Obscuration — a microscopia de membrana não é recomendada devido à dificuldade em processar agregados proteicos
  • Instruções específicas de manuseio que minimizam a formação de agregados durante a análise

Os limites de aceitação são idênticos ao USP <788>: não mais que 6.000 partículas ≥ 10 µm e 600 partículas ≥ 25 µm por recipiente.

Importância da Caracterização Sub-10 µm

Embora os testes compendiais especifiquem limites apenas para partículas ≥ 10 µm e ≥ 25 µm, o capítulo informativo USP <1788> recomenda estender a análise para faixas menores. Conforme documento publicado pela Beckman Coulter, medições em ≥ 2 µm e ≥ 5 µm fornecem indicação útil da quantidade de agregados proteicos em biológicos.

A USP <1787>, efetiva desde 2015, categoriza partículas em biológicos como intrínsecas (origem em ingredientes, embalagem ou processo), extrínsecas (origem ambiental) e inerentes (esperadas devido à natureza do princípio ativo, como agregados proteicos). O capítulo cobre partículas subvisíveis na faixa de 2-100 µm e discute aplicações de análises durante o ciclo de desenvolvimento do produto.

USP <789>: Matéria Particulada em Soluções Oftálmicas

O capítulo USP <789> estabelece requisitos para soluções oftálmicas administradas por via intraocular, incluindo injeções intravítreas e subretinianas — rotas comuns para terapias proteicas e gênicas oftálmicas. Produtos para administração extraocular seguem o USP <788>. Suspensões, emulsões e géis oftálmicos estão isentos desses requisitos.

Limites Mais Rigorosos para Proteção Ocular

Devido à sensibilidade dos tecidos oculares, os limites de partículas no USP <789> são significativamente mais restritivos que nos demais capítulos. Partículas em produtos oftálmicos podem causar irritação, infecção, abrasão da córnea e, no caso de injeções intraoculares, aparecer como "floaters" no campo visual do paciente.

Limites USP <789> (por mL, independente do método):

  • ≤ 50 partículas ≥ 10 µm por mL
  • ≤ 5 partículas ≥ 25 µm por mL
  • ≤ 2 partículas ≥ 50 µm por mL

Para contextualizar a diferença: uma injeção intravítrea de 1 mL pode ter no máximo 50 partículas ≥ 10 µm, enquanto um injetável de 1 mL sob USP <788> poderia ter até 6.000 partículas no mesmo tamanho.

Critério Adicional de 50 µm

O USP <789> é o único dos três capítulos que inclui limite para partículas ≥ 50 µm. Essa exigência adicional reflete a necessidade de controle mais rigoroso para produtos que serão administrados diretamente no olho.

Métodos Ortogonais e Capítulos Informativos

Os capítulos USP <1787> e USP <1788> são informativos (números acima de 1000) e fornecem recomendações complementares aos capítulos normativos. A revisão do USP <1788>, que entrou em vigor em maio de 2021, introduziu pela primeira vez a Microscopia de Imagem de Fluxo (Flow Imaging Microscopy) como método ortogonal ao Light Obscuration.

O USP <1788> foi expandido em subcapítulos específicos para cada método:

  • USP <1788.1> — Light Obscuration Method for the Determination of Subvisible Particulate Matter
  • USP <1788.2> — Membrane Microscope Method for the Determination of Subvisible Particulate Matter
  • USP <1788.3> — Flow Imaging Method for the Determination of Subvisible Particulate Matter

Flow Imaging como Técnica Complementar

Enquanto o Light Obscuration permanece como método compendial primário devido a décadas de dados históricos, a Microscopia de Imagem de Fluxo oferece vantagens significativas:

  • Informação morfológica — permite classificar partículas por forma e aparência
  • Melhor detecção de partículas translúcidas — agregados proteicos e gotículas de óleo de silicone são melhor visualizados
  • Categorização de fontes — auxilia na identificação de partículas intrínsecas, extrínsecas e inerentes

Conforme orientação do USP <1788>, os tamanhos de partículas reportados variarão entre métodos devido às diferentes tecnologias de medição utilizadas. Isso é esperado e não indica erro analítico.

Instrumentação para Conformidade USP

A seleção do equipamento adequado é fundamental para atender aos requisitos farmacopeicos. Contadores de partículas por Light Obscuration devem ser calibrados com partículas esféricas de tamanhos conhecidos entre 10 µm e 25 µm, utilizando o USP Particle Count Reference Standard.

O HIAC 9703+ da Beckman Coulter é um exemplo de sistema projetado especificamente para atender aos capítulos USP <787>, <788> e <789>. Seu software PharmSpec inclui procedimentos pré-configurados para cada farmacopeia, cálculos automáticos de passa/falha e conformidade com 21 CFR Part 11 para integridade de dados.

A validação do contador de partículas líquidas deve ser realizada a cada seis meses, conforme USP <788>. O teste de validação utiliza partículas de 15 µm com contagem esperada de 3.000/mL ± 10%.

Requisitos de Ambiente de Teste

Tanto o USP <788> quanto o USP <787> recomendam realizar testes em cabine de fluxo laminar para minimizar falsos positivos por contaminação ambiental. O fluxo de ar filtrado HEPA deve passar sobre os frascos e vidraria durante a análise.

Procedimento Analítico Passo a Passo

O fluxo de trabalho típico para análise de partículas subvisíveis segue etapas bem definidas. A compreensão detalhada desse procedimento é essencial para técnicos de controle de qualidade.

Etapa 1: Preparo do Ambiente e Equipamento

  • Ligar a cabine de fluxo laminar com antecedência mínima de 15 minutos
  • Verificar a calibração e adequação do sistema do contador de partículas
  • Preparar água livre de partículas para enxágue e diluição
  • Realizar contagem de branco (blank) para verificar ausência de contaminação

Etapa 2: Preparo da Amostra

  • Inspecionar visualmente os recipientes antes da abertura
  • Homogeneizar invertendo lentamente 20 vezes
  • Limpar a área de abertura com jato de água livre de partículas
  • Abrir evitando contaminação do conteúdo
  • Desgaseificar se necessário

Etapa 3: Análise

  • Aspirar pelo menos 4 porções de no mínimo 5 mL cada
  • Descartar o resultado da primeira porção
  • Registrar contagens cumulativas médias para ≥ 10 µm e ≥ 25 µm
  • Para USP <789>, incluir contagem de ≥ 50 µm

Etapa 4: Interpretação e Documentação

  • Comparar médias com critérios de aceitação aplicáveis
  • Se falhar pelo Método 1, proceder com Método 2 (microscópico)
  • Documentar todos os resultados conforme requisitos de integridade de dados

Fontes de Partículas e Estratégias de Controle

A identificação da origem das partículas é crucial para ações corretivas eficazes. A USP <1787> classifica as fontes em três categorias:

Partículas Intrínsecas: Originam-se de ingredientes da formulação, embalagem primária, processos de fabricação e equipamentos. Exemplos incluem fragmentos de elastômero de tampas, partículas de vidro delaminado e óleo de silicone de seringas pré-preenchidas.

Partículas Extrínsecas: Provenientes de fatores ambientais não relacionados ao produto, processo ou embalagem. Incluem fibras de vestimentas, partículas metálicas de equipamentos e poeira ambiental.

Partículas Inerentes: Esperadas devido à natureza do princípio ativo. Em biológicos, agregados proteicos são considerados inerentes e podem ser um atributo aceitável do produto final dentro de limites especificados.

A diferenciação entre partículas inerentes e contaminantes é especialmente crítica em proteínas terapêuticas. Agregados proteicos podem afetar tanto a segurança quanto a eficácia do produto.

Harmonização Internacional

Os capítulos USP estão harmonizados com requisitos de outras farmacopeias principais, facilitando o registro global de produtos:

  • Farmacopeia Europeia (Ph. Eur.) 2.9.19 — Harmonizado com USP <788> e <787>
  • Farmacopeia Japonesa (JP) 6.07 — Harmonizado com USP <788>
  • Farmacopeia Coreana (KP) — Alinhada com requisitos harmonizados
  • Farmacopeia Chinesa (ChP) — Requisitos similares aos harmonizados

Essa harmonização significa que um único conjunto de testes pode atender múltiplos mercados regulatórios, desde que o procedimento e equipamento atendam aos requisitos mais rigorosos.

FAQ — Perguntas Frequentes sobre USP <787>, <788> e <789>

O que muda com a revisão do USP <788> em 2026?

A partir de 1º de agosto de 2026, o capítulo passará a se chamar "Subvisible Particulate Matter in Injections". As principais mudanças incluem: definição revisada de matéria particulada enfatizando-a como contaminação, permissão para teste de unidades individuais tanto para LVP quanto SVP, preparo simplificado para produtos proteicos e permissão de diluente alternativo quando justificado. Os limites de aceitação permanecem inalterados.

Qual a diferença principal entre USP <787> e USP <788>?

O USP <787> foi desenvolvido especificamente para proteínas terapêuticas, permitindo volumes de amostra menores (1-25 mL) e utilizando apenas o método de Light Obscuration. O USP <788> é mais amplo, aplicando-se a todos os parenterais e permitindo ambos os métodos (Light Obscuration e microscópico).

Por que os limites do USP <789> são mais rigorosos?

Soluções oftálmicas intraoculares entram em contato direto com tecidos extremamente sensíveis. Partículas podem causar desde irritação até danos permanentes à visão. Os limites mais baixos (50 partículas/mL ≥ 10 µm versus 6.000/recipiente no USP <788>) refletem essa necessidade de proteção adicional.

Quando usar o Método 2 (microscópico) em vez do Método 1?

O Método 2 deve ser usado quando o produto apresenta viscosidade elevada, opacidade, presença de emulsões, coloides ou preparações lipossomais. Também é utilizado como teste confirmatório quando o Método 1 produz resultados inesperados ou falha nos critérios.

Com que frequência o contador de partículas deve ser validado?

Conforme USP <788>, a validação deve ser realizada a cada seis meses utilizando partículas padrão com diâmetros rastreáveis ao NIST. O teste usa partículas de 15 µm com contagem esperada de 3.000/mL ± 10%.

O que significa "harmonizado" no contexto das farmacopeias?

Harmonização significa que os requisitos são equivalentes entre diferentes farmacopeias (USP, Ph. Eur., JP). Um produto que atende ao USP <788> também atende ao Ph. Eur. 2.9.19 e JP 6.07, simplificando o registro em múltiplos mercados. A revisão do USP <788> que entrará em vigor em agosto de 2026 mantém essa harmonização.

Por que a USP recomenda análise de partículas sub-10 µm em biológicos?

Embora não haja limites compendiais para partículas menores que 10 µm, o USP <1788> recomenda estender a análise até 2 µm. Partículas nessa faixa, especialmente agregados proteicos, podem ter impacto significativo na imunogenicidade e segurança de biológicos.

O que são métodos ortogonais e por que são importantes?

Métodos ortogonais utilizam princípios de medição diferentes para avaliar o mesmo atributo de qualidade. Flow Imaging Microscopy é ortogonal ao Light Obscuration — ambos medem contagem e tamanho de partículas, mas por técnicas distintas. A combinação fornece avaliação mais completa e ajuda a identificar artefatos ou limitações de cada método individual.

Leitura Relacionada

  • Validação de métodos analíticos conforme USP <1225>
  • Integridade de dados e conformidade com 21 CFR Part 11
  • Caracterização de agregados proteicos em biológicos

Equipamento Relacionado


Outros Artigos