Lei 15.070/2024 estabelece marco regulatório definitivo para setor que projeta atingir R$ 17 bilhões até 2030
Nos últimos anos, os bioinsumos têm deixado de ser apenas uma alternativa complementar para se tornarem protagonistas na agricultura brasileira. Esses produtos, desenvolvidos a partir de organismos vivos ou de seus derivados, desempenham um papel central na promoção de práticas agrícolas mais sustentáveis, ajudando a reduzir a dependência de insumos químicos e contribuindo para a preservação do meio ambiente.
Por que os bioinsumos estão em alta
O crescimento é comprovado por dados oficiais impressionantes. O mercado brasileiro atingiu R$ 1 bilhão em faturamento entre 2020-2021, com crescimento de 23% entre 2022-2023, segundo estudo da CropLife Brasil em parceria com S&P Global.
Os números demonstram a força do setor: mais de 23 milhões de hectares foram tratados com bioinsumos em 2023, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). Atualmente, 60% dos agricultores brasileiros adotam biopesticidas e biofertilizantes, contrastando com apenas 33% dos produtores europeus.
Na safra 2023/2024, o mercado movimentou R$ 5 bilhões, registrando crescimento de 15% em relação à safra anterior. O avanço da biotecnologia, somado à pressão por uma agricultura de baixo impacto ambiental, impulsionou essa adoção. Além disso, a busca por produtividade sustentável, associada a incentivos governamentais como o Programa Nacional de Bioinsumos (Decreto 10.375/2020), tem motivado produtores a explorar novas formas de manejo biológico.
Produção On Farm: autonomia e desafios
A chamada produção on farm — quando o próprio produtor fabrica seus bioinsumos dentro da propriedade — já é uma realidade consolidada no país. A taxa média de adoção de controle biológico subiu de 17% em 2019/20 para 28% em 2021/22, em relação ao total da área plantada com lavouras no país.
Essa abordagem traz vantagens como redução de custos logísticos, autonomia na formulação e rapidez na disponibilidade do produto. Segundo pesquisa da S&P Global, os produtores indicam como principais razões para adotar biodefensivos: eficiência de controle (29%) e durabilidade do produto (25%). Porém, também impõe desafios: controle rigoroso de qualidade, necessidade de equipamentos adequados e capacitação técnica para evitar perdas ou ineficácia dos produtos.
Marco regulatório consolidado
A Lei 15.070/2024, sancionada em 23 de dezembro de 2024, estabeleceu finalmente o marco regulatório específico para bioinsumos no Brasil. Esta lei resolve uma situação de insegurança jurídica que afetava o setor, uma vez que o Decreto 6.913/2009 permitia produção on farm apenas até dezembro de 2024.
A nova legislação dispensa de registro bioinsumos produzidos exclusivamente para uso próprio, estabelece mecanismos oficiais de estímulo ao uso de bioinsumos e cria uma taxa para financiar o trabalho de fiscalização pelo MAPA. Essa formalização deve estimular significativamente o crescimento da produção de insumos biológicos líquidos e fortalecer definitivamente a prática do on farm.
O dilema: on farm ou produtos prontos?
A nova regulamentação cria um cenário duplo no mercado. Embora legalize definitivamente a produção on farm, as exigências técnicas podem tornar produtos comerciais prontos mais atrativos para muitos produtores.
Quando a produção on farm ainda compensa
Para grandes propriedades:
- Volume justifica investimento - Custos fixos de adequação diluídos em grande escala
- Equipe técnica disponível - Facilidade para ter responsável técnico interno
- Controle total do processo - Flexibilidade para ajustar formulações conforme necessidade
Para cooperativas e associações:
- Produção compartilhada - Divisão de custos entre múltiplos produtores
- Economia de escala - Volume conjunto viabiliza investimentos
- Responsável técnico compartilhado - Um profissional atendendo vários associados
Quando produtos prontos podem ser mais vantajosos
Para pequenos e médios produtores:
- Investimento inicial alto - Equipamentos, responsável técnico e adequações
- Complexidade operacional - Controle de qualidade rigoroso exige expertise
- Responsabilidade técnica - Custo de profissional habilitado pode ser proibitivo
Análise custo-benefício:
- Break-even estimado - Produção própria compensa acima de [aproximadamente] 200-300 hectares
- Produtos prontos - Menor risco, maior praticidade, custo mais previsível
- Tendência do mercado - Provável segmentação: grandes fazem próprio, pequenos compram pronto
Impacto no mercado de bioinsumos comerciais
Paradoxalmente, as novas regras podem impulsionar vendas de produtos prontos no curto prazo, especialmente entre produtores menores que considerarão o investimento em adequação muito alto. Isso pode fortalecer empresas que já comercializam bioinsumos prontos, criando um mercado mais segmentado e profissional.
Para produtores que já fabricam bioinsumos na propriedade, a nova lei traz segurança jurídica definitiva, mas também novas responsabilidades. A principal mudança é a transição de uma situação temporária e incerta para um marco regulatório permanente com regras claras.
Principais mudanças práticas
Formalização obrigatória:
- Cadastro no órgão de defesa agropecuária - Registro simplificado que antes não existia
- Responsável técnico habilitado - Profissional deve supervisionar formalmente o processo
- Documentação de boas práticas - Protocolos escritos e procedimentos padronizados
Controle de qualidade mais rigoroso:
- Rastreabilidade completa - Registro de origem dos microrganismos e processo produtivo
- Parâmetros controlados - Monitoramento obrigatório de pH, temperatura, contaminação
- Material credenciado - Substituição de fontes não oficiais por bancos de germoplasma certificados
Oportunidades ampliadas:
- Produção compartilhada legalizada - Cooperação entre propriedades vizinhas ou associados
- Transporte entre unidades - Movimentação legal entre propriedades da mesma titularidade
- Maior escala permitida - Sem limitação de volume para uso próprio
Cronograma de adequação
Até março de 2025: Identificar responsável técnico e iniciar processo de cadastro
Até junho de 2025: Implementar protocolos de boas práticas e controle de qualidade
Até dezembro de 2025: Adequar completamente às novas exigências regulamentares
O investimento em adequação pode variar significativamente conforme o nível atual de estruturação, mas a segurança jurídica permanente e as novas oportunidades de escala compensam os custos de conformidade.
Embora dispense registro, a nova lei estabelece requisitos importantes:
- Supervisão obrigatória de responsável técnico habilitado
- Cumprimento de boas práticas de fabricação
- Uso apenas de material biológico de bancos de germoplasma credenciados
- Cadastro simplificado no órgão de defesa agropecuária
- Proibição de comercialização (uso exclusivamente próprio)
A regulamentação permite ainda produção compartilhada entre cooperados e transporte entre propriedades de mesma titularidade, desde que não haja fins comerciais.
O que muda para fornecedores e empresas do setor
A nova regulamentação cria oportunidades significativas para empresas que fornecem equipamentos, insumos e serviços para produção on farm, mas também estabelece novos requisitos de compliance.
Para fornecedores de equipamentos
Expansão do mercado potencial:
- Demanda formalizada - Produtores que operavam informalmente agora precisarão de equipamentos adequados
- Exigências técnicas específicas - Necessidade de soluções que atendam aos padrões de boas práticas
- Segmentação por escala - Oportunidades desde pequenos produtores até cooperativas de grande porte
Novos requisitos de produto:
- Rastreabilidade - Equipamentos devem permitir registro e monitoramento de parâmetros
- Automação básica - Sistemas de controle para pH, temperatura e oxigenação
- Certificações - Produtos podem precisar atender normas específicas do MAPA
Para fornecedores de microrganismos e insumos
Mudanças no modelo de negócio:
- Bancos de germoplasma credenciados - Apenas fornecedores oficiais poderão vender microrganismos
- Certificação obrigatória - Processo mais rigoroso para registro de cepas
- Rastreabilidade completa - Origem e qualidade devem ser documentadas
Novas oportunidades:
- Mercado regulamentado - Eliminação de concorrência informal
- Parcerias técnicas - Suporte especializado para implementação de protocolos
- Serviços agregados - Consultoria, treinamento e assistência técnica
Para empresas de consultoria e serviços
Demanda por especialização:
- Responsabilidade técnica - Necessidade massiva de profissionais habilitados
- Adequação regulatória - Consultoria para compliance com novas regras
- Treinamento técnico - Capacitação de equipes em boas práticas
Modelos de negócio emergentes:
- Responsabilidade técnica compartilhada - Um profissional atendendo múltiplas propriedades
- Contratos de suporte - Manutenção e monitoramento remoto de sistemas
- Certificação de qualidade - Serviços de auditoria e validação de processos
A formalização do setor deve eliminar players informais e criar um ambiente mais profissional, beneficiando empresas que investirem em compliance e inovação técnica.
O novo contexto regulatório deve ampliar significativamente a demanda por equipamentos de bioprocessamento. Atualmente existem mais de 500 bioinsumos registrados no Ministério da Agricultura, multiplicando por cinco o total disponível dez anos atrás, o que demonstra a diversidade de soluções e a necessidade de equipamentos especializados para diferentes tipos de microrganismos.
Equipamentos essenciais para produção on farm
Sistemas de fermentação e cultivo:
- Biorreatores - Tanques com controle de ambiente para multiplicação de microrganismos
- Fermentadores - Equipamentos para produção de metabólitos específicos
- Sistemas de aeração - Fornecimento controlado de oxigênio durante o processo
- Agitadores mecânicos - Homogeneização e distribuição de nutrientes
Controle de qualidade e monitoramento:
- Medidores de pH - Monitoramento contínuo da acidez do meio
- Controladores de temperatura - Manutenção de faixas ideais por espécie
- Sistemas de automação - Monitoramento remoto e controle integrado
- Equipamentos de análise microbiológica - Contagem e viabilidade celular
Infraestrutura de apoio:
- Sistemas de filtração - Purificação de água e ar para o processo
- Autoclaves - Esterilização de equipamentos e meios de cultura
- Câmaras de fluxo laminar - Ambiente estéril para manipulação
- Sistemas de refrigeração - Armazenamento adequado dos produtos finais
A regulamentação influenciará diretamente os investimentos em infraestrutura, incentivando projetos mais robustos e capazes de atender não apenas a demanda interna das propriedades, mas também oportunidades de produção compartilhada. Empresas especializadas em bioprocessos já desenvolvem soluções modulares e compactas específicas para o mercado on farm, com capacidades que variam desde pequenas produções familiares até operações de grande escala.
Qualidade e escalabilidade: pontos críticos
Independentemente do tamanho da produção, parâmetros como pH, temperatura, oxigenação, viabilidade celular, concentração de microrganismos e controle de contaminação precisam ser controlados com precisão. A escolha do biorreator adequado e a implementação de processos padronizados são essenciais para garantir a estabilidade e a eficácia dos produtos.
A Embrapa recomenda três princípios básicos para produção on farm: uso de microrganismos de bancos credenciados, cadastro de operação no MAPA e responsável técnico habilitado.
Estruturas mal dimensionadas geram desperdícios e aumentam riscos, enquanto um projeto bem calculado permite escalabilidade segura. Tecnologias de automação e monitoramento remoto estão ganhando espaço justamente por reduzir a margem de erro e facilitar o cumprimento de padrões regulatórios.
Perspectivas de investimento promissoras
Para iniciar a produção de bioinsumos com segurança, os produtores devem considerar investimentos em equipamentos, infraestrutura de controle ambiental, treinamento e acompanhamento técnico. Pequenas e médias propriedades podem se beneficiar de modelos cooperativos ou parcerias com empresas especializadas, que oferecem desde o fornecimento de biorreatores até suporte na implementação de protocolos de produção.
O novo cenário regulatório abre espaço para inovações no setor de bioprocessos, como sistemas compactos de produção, soluções de automação mais acessíveis e plataformas de controle de qualidade integradas.
Os números para o futuro são ainda mais animadores: a pesquisa da CropLife Brasil em parceria com S&P Global projeta que o mercado brasileiro de bioinsumos pode atingir R$ 17 bilhões até 2030, considerando taxa de crescimento anual de 23%.
No cenário global, o mercado pode alcançar US$ 45 bilhões até 2032, segundo estudo da CropLife Brasil em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, representando uma triplicação do mercado atual.
Fontes principais: Lei 15.070/2024, MAPA, CropLife Brasil, Embrapa, CNA